Originally published in The Clarinet 48/4 (September 2021). Printed copies of The Clarinet are available for ICA members.
ABCL 25 anos: criação e realização do I Encontro Brasileiro de Clarinetistas
Portuguese Version
por Ricardo Dourado Freire
“International Spotlight” showcases perspectives from the global clarinet community. The Clarinet welcomes submissions from ICA country chairs and other members about historical topics, performance practice, pedagogy, people, institutions, clarinet conferences or festivals, and other trends in clarinet communities around the world; please send items to [email protected].
This article originally appeared in Portuguese in Clarineta: Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas No. 8 (July 2021).
A década de 1990 foi um período de grandes transformações na sociedade brasileira. A implementação do plano real modificou um cenário de hiperinflação que durava 14 anos e permitiu a estabilidade da moeda com a paridade com o dólar, e o Brasil iniciava um novo momento de crescimento e inserção na comunidade musical mundial. Outro fator importante foi a popularização do acesso à internet por meio de e-mail e páginas na world.wide.web. A comunicação eletrônica permitiu que o contato com clarinetistas e empresas do exterior se tornasse mais rápido, o que permitiu a organização de eventos com a participação de convidados de várias partes do mundo.
A criação de associações de instrumentistas não foi um evento isolado. A comunidade acadêmica brasileira começou a se organizar em 1988, com a fundação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música – ANPPOM, e no ano de 1991 foi fundada a Associação Brasileira de Educação Musical – ABEM. A Associação Brasileira de Flautistas – ABRAF foi fundada em agosto de 1994, seguida da Associação de Trombonistas, em outubro de 1995, e o movimento de criação das associações permitiu a realização de diversos eventos com a presença de artistas nacionais e internacionais que promoveram um intercâmbio de experiências de inserção do Brasil no cenário internacional da música instrumental.
Em 1994, Paulo Sérgio Santos lançou o CD Segura Ele, um marco para o resgate do Choro, que se tornou o principal CD de clarineta brasileira lançado na história. Após o LP Chorando Baixinho de Abel Ferreira, o CD Segura Ele foi marco que gerou muito interesse e influenciou as gerações de clarinetistas que se seguiram a redescobrirem o Choro enquanto elemento da identidade do clarinetista brasileiro. O exemplo de Paulo Sérgio, um clarinetista profissional de orquestra e professor universitário, que tocava música popular com excelente técnica serviu para dissolver preconceitos e mostrar que era possível tocar tanto música popular quanto música erudita com alto nível de qualidade sonora e musical.
Em 1992, consegui realizar o sonho de estudar no exterior e ser aceito no Mestrado em Performance da Clarineta na Michigan State University com a Prof.ª Elsa Verdehr. Durante minhas aulas de clarineta, a Prof.ª Verdehr tinha a coleção completa das revistas da International Clarinet Association – ICA. Após as aulas, eu sempre pegava emprestado algumas revistas antigas para conhecer mais sobre os artigos publicados. Fiquei sabendo que ela havia participado, na década de 1960, dos primeiros eventos de clarinetistas chamados de National Clarinet Clinic e organizados por Ralph Strouf. Posteriormente, ela participou do primeiro congresso de clarinetistas e na fundação da ICA e eu fiquei fascinado com esta narrativa. Quando retornei ao Brasil, em 1995, para assumir o cargo de professor de clarineta na Universidade de Brasília, eu vislumbrei a possibilidade de tornar um sonho realidade e realizar um evento para a criação de uma associação de clarinetistas no Brasil. A soma dos fatores apresentados ofereceu as condições para a organização da Associação Brasileira de Clarinetista em abril de 1996 durante o Primeiro Encontro Brasileiro de Clarinetistas, que aconteceu na Universidade de Brasília.
A elaboração deste artigo foi um desafio para mim, tanto pela minha proximidade com a organização do evento quanto pela complexidade em lidar com minhas memórias afetivas. O grande dilema se configurou na disputa entre subjetividade pessoal e objetividade descritiva. A solução foi encontrada na documentação guardada sobre o evento. Ao resgatar os documentos na UnB, encontrei o relatório original do Encontro que apresenta a visão do evento logo após a sua realização. O documento foi elaborado por mim, com a revisão de várias pessoas e mostra uma visão coletiva do que foi realizado naquela semana de abril de 1996. Após muita reflexão, optei pela publicação do relatório original parcial do I Encontro Brasileiro de Clarinetistas, elaborado em maio de 1996 que reflete a visão do momento de criação da ABCL
Relatório do I Encontro Brasileiro de Clarinetistas
1 Descrição do Evento – O I Encontro Brasileiro de Clarinetistas constituiu-se num evento que reuniu profissionais e estudantes de clarineta de todo o país, com o objetivo de proporcionar a integração, troca de ideias e discussão da clarineta e da profissão dos clarinetistas no Brasil. Promoveu diversos recitais, palestras, masterclasses, mesa redonda, assembleia para a fundação da Associação Brasileira de Clarinetistas, encerrando-se com uma Grande Roda de Choro no ParkShopping. O evento, realizado entre 25 e 27 de abril de 1996, foi organizado pela Universidade de Brasília e Casa Thomas Jefferson. Coube ao professor da UnB, Ricardo Dourado Freire, a Coordenação-Geral do I Encontro. O corpo docente foi formado pelos professores Luiz Gonzaga Carneiro, UnB (aposentado); José Botelho, UNIRIO (aposentado); Paulo Sérgio Santos, UNIRIO; Maurício Loureiro, UFMG; Sérgio Burgani, UNESP; Elsa Ludewig-Verdehr, Michigan State University e Ricardo Dourado Freire, UnB. Participaram do evento 70 clarinetistas dos seguintes estados: Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
2 Programação
25 de abril
9h Cerimônia de abertura
10 h Masterclass com Luiz Gonzaga Carneiro – Concertos de Weber
12h Recital de Ricardo Dourado Freire
14h Masterclass com José Botelho – Música Brasileira
16h Recital de Maurício Loureiro
17h Ensaio para o concerto de encerramento
21h Recital de Paulo Sérgio Santos
26 de Abril
9h Criação da Associação Brasileira de Clarinetistas (ABCL)
10h Masterclass com Maurício Loureiro – Música Contemporânea
12h Recital de Luiz Gonzaga Carneiro
14h Masterclass com Ricardo Dourado Freire – Staccato simples e staccato duplo
16h Recital de Sérgio Burgani
21h Recital do Verdehr Trio
27 de Abril
9h Criação da Associação Brasileira de Clarinetistas (ABCL)
10h Masterclass com Elsa Verdehr – Brahms e Copland
12h Recital de José Botelho
14h Masterclass com Paulo Sérgio Santos – Clarineta Popular
18h Roda de Choro no ParkShopping com todos os clarinetistas acompanhados pelo grupo Dois de Ouro com Hamilton de Holanda e Fernando César.
3 Conclusão – O I Encontro Brasileiro de Clarinetistas conseguiu, pela primeira vez, reunir os clarinetistas em um evento significativo a nível nacional. Estiveram presentes representantes de todas as regiões, o que permitiu a visão da situação da clarineta no Brasil e as diferentes maneiras de tocar o instrumento. Os participantes assistiram a palestras, recitais e também puderam trocar informações entre si. A fundação da Associação Brasileira de Clarinetistas (ABCL) foi importante por representar a realização de um anseio dos clarinetistas. A ABCL auxiliou o desenvolvimento dos clarinetistas através do acesso a informações, apoio na obtenção de instrumentos e acessórios musicais, promoção de eventos e na realização de Encontros Nacionais e Regionais. Os recitais dos professores demonstraram o alto nível musical e técnico dos clarinetistas brasileiros, no contexto internacional. A qualidade das performances impressionou a todos pela musicalidade, perícia e personalidade de cada um. Certamente os participantes retornaram aos seus estados certos de que há uma maneira própria de se tocar a clarineta no Brasil. O repertório variado satisfez o gosto de todos que puderam aproveitar tanto a música erudita como a popular. As rodas de Choro no ParkShopping e Clube do Choro mostraram que o “Choro” é um estilo musical eminentemente clarinetístico, pois os clarinetistas podem, através do chorinho, desenvolver espontaneidade musical em palco como também aperfeiçoar a habilidade técnica. Entre os participantes foi comentado o ressurgimento do interesse pelos compositores e intérpretes de Choro.
Visão após 25 anos
O I Encontro Brasileiro de Clarinetistas e a fundação da ABCL promoveu uma ampla oportunidade para trocas entre clarinetistas brasileiros. A partir do primeiro evento, foram realizados doze encontros de clarinetistas, tema de artigo na próxima edição da Revista Clarineta. Além disso, foram realizados diversos eventos nos estados de Alagoas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.
A ABCL teve uma renovação em 2017, com a eleição de uma nova diretoria que realizou o trabalho de organização da estrutura jurídica e criação de um novo estatuto tendo como presidente Sérgio Albach. Durante o período de pandemia, a ABCL realizou 51 transmissões no canal de YouTube do evento ABCLives, com a participação de um diverso grupo de clarinetistas, representativo das diversas formas de tocar e conceber a performance da clarineta no Brasil. A Associação apresenta o grande mérito de manter-se em constante renovação, como um polo de atração de clarinetistas de todas as partes do Brasil. Desta forma, torna-se possível promover a pluralidade e estimular a riqueza de possibilidades da performance da clarineta por meio da valorização do agente que realiza as ações musicais: o próprio clarinetista brasileiro.
Sobre o escritor
Ricardo Dourado Freire é professor de Clarineta na Universidade de Brasília desde 1995. Publicou aproximadamente 120 artigos sobre performance da clarineta, cognição musical e educação musical. Participou de diversos eventos de clarinetistas na américa latina em países como: Brazil, Colômbia, México, Paraguai, Peru e Venezuela.
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