Originally published in The Clarinet 52/4 (September 2025).
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Master Class
HOMMAGE À MANUEL DE FALLA BY BÉLA KOVÁCS
by Vitor Fernandes
Read the English version of this article here: Master Class: HOMMAGE À MANUEL DE FALLA BY BÉLA KOVÁCS (English Version)
“Hommage à Manuel de Falla”, composta em 1994 pelo clarinetista e pedagogo húngaro Béla Kovács, integra o conjunto das suas nove homenagens a grandes compositores. Nesta obra, Kovács evoca as cores e ritmos da música tradicional espanhola e andaluza, tão marcantes no universo musical de Manuel de Falla.
Desde os acentos bem vincados e disruptivos, recorrentemente fora dos tempos fortes, passando pelos momentos mais cadênciais e de grandes contrastes dinâmicos e de carácter, entre dramatismo e subtileza, esta é uma obra que, em menos de 3 minutos, nos leva a explorar os limites do clarinete.
Temos, no início da obra, uma introdução em 3 passos até chegarmos ao primeiro Moderato.
Começamos com uma frase introdutória de grande intensidade, onde a repetição da nota Ré reforça o seu carácter dramático. Gosto de encarar este primeiro momento como um momento de alerta, procurando o maior contraste possível entre o fortíssimo — marcado pela insistência no Ré — e o pianíssimo, criando leveza e elegância através dos acentos e da articulação curta. Destaca-se também o uso da tercina, com acento na primeira nota, que, aliada à articulação, nos conduz ao carácter dançante desta passagem.

Figura 1

Figura 2
Mudanças súbitas de dinâmica e de carácter devem ser exageradas, de forma a criar um maior contraste, tal como no início. Os acentos devem ser tocados de forma leve e elegante, sempre com uma ideia de “lifting up”, criando um carácter de dança ao longo de toda a passagem, à semelhança daquilo que podemos ouvir nas danças de “El Sombrero de Tres Picos” de Manuel de Falla.
É importante que a cadência que precede o 2° Moderato não seja tocada de forma apressada (o compositor coloca a indicação de ad libitum), para que se construa uma maior tensão e, consequentemente, um maior impacto musical ao chegarmos ao novo motivo.
Chegamos então áquele que é na minha opinião o motivo de referência desta Hommage. Gracioso, elegante, não deve ser apressado, procurando sempre que a última nota do compasso tenha um pequeno acento disruptivo e que a primeira nota do compasso seguinte seja de menor intensidade.

Figura 3
Estes acentos só terão verdadeiro impacto se o Moderato não for apressado. Nas várias masterclasses em que tive oportunidade de ouvir e trabalhar esta obra, deparei-me frequentemente com uma forte tendência para privilegiar a velocidade em detrimento do detalhe da articulação, o que me parece um erro, pois perdemos muito do carácter “grazioso” da peça.
Béla Kovács introduz pela primeira vez uma passagem/tipo de escrita frequentemente encontrada na música tradicional Espanhola:

Figura 4
Nesta passagem, procuro destacar apenas os acentos indicados, evitando acentuar cada nota da linha melódica. Compreendo esta tendência, mas, para além de anular o efeito expressivo das notas acentuadas, retira-nos também fluidez musical.

Figura 5
Entre rápidas variações de dinâmica e acentuações fora dos tempos fortes, chegamos ao final desta secção. Destaco, em especial, o último crescendo antes do “ppp dolcissimo”: deve ser tocado como se acreditássemos firmemente que este é o final da obra, prolongando o silêncio antes de prosseguir. Cria-se, assim, uma pausa para o intérprete e, ao mesmo tempo, um instante de expetativa para o público (sobretudo para quem não conhece a obra ou não é clarinetista), que fica, por breves segundos, sem saber se se chegou efetivamente ao fim ou se algo mais estará por vir.

Figura 6
Iniciamos agora um novo momento musical, mais relaxado, “dolcissimo”, como indicado na partitura por Kovács. Sugiro um tempo relativamente mais calmo, para permitir um legato mais cuidado e dar espaço à linha melódica para sobressair de forma natural. Kovács atribui diferentes dinâmicas a cada recomeço da linha melódica: é fundamental que as variações entre “ppp”, “pp”, “p” e “mf” se distingam de forma clara – um detalhe facilmente perdido em salas de maiores dimensões ou com uma acústica mais reverberante. Nesta secção, procuro um som menos tenso ao pensar em enviar ar quente de forma lenta para o instrumento.

Figura 7
Com o aumento da intensidade dinâmica , progredimos em direcção a uma reexposição do material inicial da obra, desta vez carregado de maior “alarmismo” e dramatismo do que no início. Esta reexposição serve como uma ponte e preparação para o Presto final. Comparativamente com o início, sugiro que se tome menos tempo nas “fermatas”, deixando as frases abertas e criando assim uma maior sensação de agitação e de ânsia em alcançar este virtuoso Presto.
Uma vez mais, para que este Presto tenha verdadeiro impacto musical, é imprescindível que o Moderato grazioso, onde este tema se apresenta pela primeira vez, seja interpretado de forma calma e relaxada. Desta forma, criaremos um contraste ainda mais marcante. Gosto de encarar este Presto como um momento de fúria e intensidade máxima. Recomendo ainda que, após a última fermata (antes da última tercina) se crie um silêncio mais prolongado, quase teatral, mantendo o corpo em tensão, para dar ainda mais importância e ênfase a este gesto final.

Figura 8
A Hommage a Manuel de Falla é uma obra que exige não apenas um grande domínio técnico do instrumento, mas também um planeamento cuidadoso da interpretação e da forma como queremos que o público a perceba, sobretudo tendo em conta a repetição de vários motivos musicais ao longo da peça. Cada pormenor – desde acentos, dinâmicas, articulação, passando por indicações precisas de carácter como Grazioso ou Dolcissimo – é essencial para interpretar a obra na sua forma mais autêntica. O verdadeiro virtuosismo da obra não reside na velocidade ou na mera exibição técnica, mas sim numa compreensão profunda da proposta de Kovács, que nos transporta até à música de Manuel de Falla e, em última análise, às raízes da música tradicional Espanhola.
Vitor Fernandes is a Portuguese musician and one of the most sought-after clarinetists of his generation. A prizewinner at the Geneva and Ghent International Competitions, he performs worldwide as a soloist, recitalist, and orchestral musician. He has appeared with the Brussels Philharmonic, Sofia Philharmonic, and Kammerorchester Basel, and collaborates regularly with leading ensembles such as the Royal Concertgebouw Orchestra, London Symphony Orchestra, Chamber Orchestra of Europe, and Orchestre Philharmonique de Radio France. A committed educator, he has given master classes at institutions including HAMU Prague, Central Conservatory of Music in Beijing, Korea National University of Arts, and Hochschule für Musik Detmold.
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